quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

À conversa com Cristina Torrão (parte 2)

Na segunda metade desta entrevista reuni as perguntas que se debruçaram mais sobre aspectos que vão além da escrita, embora partindo - ou regressando - inevitavelmente dela.
Tentei tocar também a experiência da autora enquanto trabalhadora portuguesa no estrangeiro e usufruir do seu conhecimento adquirido e ela teve a simpatia de partilhar diversos aspectos que podem ser úteis nos tempos que o nosso país vive.




- Como é para uma escritora Portuguesa, viver e trabalhar num país estrangeiro?
Não é muito fácil, pois sinto que, se estivesse em Portugal, poderia fazer mais pela divulgação dos meus livros, por exemplo, estar mais vezes presente em Feiras do Livro (e não só Lisboa e Porto); visitar bibliotecas; ir a apresentações de outros livros, estabelecendo contactos úteis; oferecer-me para sessões de leitura nas escolas, etc. Assim, resta-me a internet.
Do ponto de vista pessoal, adaptei-me bem à vida na Alemanha, país que, no seu sentido prático, facilita muitos aspectos do dia-a-dia.


- Devido à crise há muitos portugueses a pensar (novamente) sair para fora do pais, sendo que um dos países preferidos é a Alemanha. Como foi a sua adaptação dela e que aconselha a esses portugueses, sobretudo os pertencentes a áreas próximas da sua?
A adaptação a um país estrangeiro nunca é fácil, mas depende em que circunstâncias se faz essa opção. No meu caso, foi por ter casado com um alemão. Esse facto, aliado ao conhecimento que já tinha da língua, facilitou a adaptação. Quem não conhece a língua terá imensos problemas na Alemanha, pois é raro encontrar alguém que fale inglês, ao contrário da Holanda, por exemplo, em que se pode falar inglês em todo o lado. Quem vier sozinho para um país estrangeiro, precisa de ter uma personalidade muito forte para aguentar os primeiros tempos de solidão. Depende do trabalho que fizer. Se, por exemplo, der aulas de português e tomar contacto com outros portugueses, é claro que terá a vida facilitada.
Antes de ir para um país estrangeiro, a quem não tiver lá ninguém para dar uma certa orientação, aconselho a informar-se de que tipo de mão-de-obra esse país precisa. Para gente da minha área, que pretende dar aulas, o melhor é tratar disso em Portugal, pois os professores de português que aqui trabalham são enviados pelo nosso Ministério da Educação. Agora, com a crise, não sei como está a situação. Dar aulas de português a alemães, em escolas de línguas, como já fiz, é interessante e mantém a pessoa ocupada, mas não se ganha o suficiente para se ser independente (é mais um dinheiro extra para quem já tenha a vida assegurada).
Também ajuda ter uma mentalidade aberta, capaz de assimilar, sem grandes problemas, outros usos e costumes. E outras comidas. Há gente muito saudosista, que só gosta de bacalhau com batatas, ou de feijoadas. Não irá encontrar esse tipo de pratos na Alemanha, embora também se aprecie por aqui a cozinha internacional. Mas as preferências vão para a italiana, a grega e a incontornável chinesa. Aqui, também não se encontra grande compreensão para falta de pontualidade, ou falta de disciplina.


- Como é ensinar língua Portuguesa num país como a Alemanha? Existem muitos Alemães interessados na aprendizagem do Português?
Os alemães têm muita dificuldade em aprender a língua Portuguesa. A Alemã também é muito difícil e nós temos tendência para achar a nossa mais simples, mas, na verdade, quando uma pessoa se vê na situação de ensinar o nosso idioma, dá-se conta das dificuldades que ele apresenta. Por exemplo, um dos problemas no Português é o facto de a forma plural também ter género (feminino e masculino); outro, são as formas verbais, cada pessoa gramatical tem uma forma diferente e há inúmeros verbos irregulares; além disso, há três tipos de conjugação, conforme o infinitivo dos verbos termine em “ar”, “er”, ou “ir”. São coisas em que não pensamos, mas que, para estrangeiros, se torna num enorme quebra-cabeças.
Não há muitos alemães interessados na aprendizagem do Português, nada que se compare ao Castelhano (Espanhol), cujo interesse é muito grande, quase ao nível do Inglês, ultrapassando, de longe, o Francês. Embora seja a 5ª ou a 6ª língua mais falada no mundo, o Português é visto, aqui, mais como uma língua exótica, não se faz ideia de que há tantos milhões de pessoas a falá-la. Sinto muito desiludir todos aqueles que pensam que a nossa língua é considerada muito importante, mas é um facto que não é.


- O seu primeiro livro foi “A Moura e o Cruzado”, mais tarde reeditado como “A Cruz de Esmeraldas”, foi muito difícil encontrar quem editasse os seus livros?
Foi dificílimo, demorou anos, tenho uma grande colecção de recusas. E, no entanto, não havia nenhum romance sobre D. Afonso Henriques, perguntava-me mesmo como é que ainda ninguém tinha tido a ideia. Confesso que alimentava a esperança de ser eu a primeira, mas, entretanto, saiu o romance de Maria Helena Ventura, Afonso o Conquistador. Quando o vi à venda, pensei em desistir, senti-me muito sozinha, sem apoios, sem saber para onde me virar. Mas esse desânimo durou pouco tempo. Eu acreditava nas minhas capacidades e resolvi não desistir. Até porque escrevera, entretanto, A Moura e o Cruzado e decidi enviar o manuscrito para um concurso literário organizado pelo Continente, em parceria com a Visão e a editora Asa. Estive para não o fazer, ao constatar, no regulamento, que se limitava a residentes em Portugal. Por outro lado, o pior que me podia acontecer era ser desclassificada. Afinal, entre isso, e não ganhar o concurso, não havia grande diferença.
Acabei por ganhar, o que me abriu, não as portas, mas uma porta, aliás, pequenina. Mas há-de aumentar de tamanho. E hão-de surgir outras.


- Como vê o panorama literário Português? Existem algumas semelhanças com o que passa na Alemanha?
Sim, hoje em dia, a cultura está muito uniformizada. Também se nota aqui a preferência pela literatura light, os nomes sonantes, ou os livros susceptíveis de causar escândalos. A grande diferença está em que o mercado é muito maior, a Alemanha tem cerca de 80 milhões de habitantes, sem incluir a Áustria e a Suíça. Há mais editoras, mais escritores, mais livros, a oferta é muito maior, embora, verdade seja dita, a portuguesa, em termos proporcionais, também seja bem grande. Outra diferença será que, aqui, não se traduz tanto, editam-se mais nacionais, e existe uma oferta enorme na não-ficção, cobrindo todos os temas possíveis e imaginários. Procura-se um livro sobre jardinagem, cães, religião, ou até como editar um livro, e encontram-se logo dezenas.


- Há algum período em particular da história da Alemanha ou algum personagem histórico desse país que a fascine em particular?
Bem, antigamente, interessava-me muito pela fase do nazismo e da 2ª Guerra Mundial, principalmente, pela perspectiva alemã. Constatei que há alguns idosos saudosistas, mas a maior parte das pessoas abomina Hitler e tudo o que ele causou. Desde que comecei a pesquisar a época medieval com intensidade, há cerca de dez anos, claro que também me interessei pela Idade Média alemã. Há uma personagem muito marcante do século XII, Frederico Barba-Ruiva, que se tornou imperador do Sacro Império Romano-Germânico. A História Medieval alemã é um pouco complicada, porque a Alemanha nunca foi um reino como Portugal. Para simplificar, digamos que era um conjunto de principados, ducados e condados, que abrangia grande parte da Europa Central e até da Itália. E era nomeado um Imperador, pelo Papa, representante do catolicismo, para fazer frente ao Imperador Bizantino, cristão ortodoxo. Frederico Barba-Ruiva é o Imperador mais marcante da Idade Média.


- Dado que o público alemão é muito mais vasto, não pensa também tentar entrar no mercado editorial alemão, seja com um livro originalmente escrito em alemão (e eventualmente com um tema local) ou com um dos seus livros já publicados traduzido para alemão?
Sim, claro que penso nisso, mas é muito difícil. Não posso contar com a ajuda da editora para esse fim, pois até para os grandes grupos editoriais portugueses é dificílimo introduzir um escritor português nos mercados estrangeiros, mesmo que se desdobrem em contactos e operações de charme, como acontece na Feira do Livro de Frankfurt.
Eu tenho a vantagem de saber alemão, mas é complicado traduzir para uma língua que não é a nossa. Com a ajuda do meu marido, porém, traduzi “A Cruz de Esmeraldas” e estou a tentar arranjar um agente literário que se interesse pelo livro. Enviá-lo directamente às editoras não adianta nada, calcula-se que se publicam 0,01% dos manuscritos que são enviados por gente desconhecida.
Se, por um lado, o mercado alemão é muito mais vasto, se publicam muitos mais livros (mais de 100.000 por ano) e haja editoras sem fim, por outro, também há muito mais gente a escrever. Além do trabalho habitual, as editoras recebem dezenas de milhares de manuscritos com pedido de publicação por ano!


- E ao nível de outros episódios da História Mundial mais divulgados, pretende enveredar por esse meio o que podia eventualmente permitir ter uma carreira mais internacional?
Sim, esse é o problema. Para publicar na Alemanha deverei optar por temas da História alemã? Bem, aqui também há interesse pela História de outros países, mas, normalmente, pela de Inglaterra, Itália, ou países de leste, como a Rússia. Há espanhóis que também vendem bem. Sobre a História de Portugal, nunca vi nada, é um tema muito específico, nada internacional.


- O grande Sonho da sua vida é escrever? Tem outros grandes sonhos para além da escrita?
Sim, é. Já tive outros sonhos. Em jovem, gostava muito de música e de cantar e sonhava fazer carreira nesse ramo. Cheguei a cantar em coros, mas não tinha à-vontade suficiente para ser solista. Depois, desejei ser realizadora de cinema, mas era um sonho muito difícil de concretizar, porque não sabia para onde me virar, quem contactar. De maneira que, quando descobri esta minha vocação para escrever, pensei: este sonho é mais realizável, vou em frente! O Manuel Cardoso, do blogue Dos Meus Livros, disse que a minha escrita é cinematográfica, pelo que acabei por me aproximar do outro sonho…


- Apesar de haver um número reduzido de escritores que vivem apenas da escrita, esse é um dos seus objectivos?
Não penso que possa algum dia viver exclusivamente da escrita. O que não quer dizer que deixe de escrever.


- Alguma vez sentiu aquele assomo da página em branco ou é algo que flui naturalmente?
Até agora, tem fluido tudo muito naturalmente. Um romance escreve-se aos poucos, cena a cena. Quando começo a escrever uma cena, já sei como vai acabar, mas os pormenores surgem na altura da escrita. Às vezes, é difícil fazer a ponte de ligação entre as cenas. E o romance histórico, como eu o escrevo, tem ainda a dificuldade de se apresentarem os factos de forma sucinta, sem se tornarem maçadores. Tenho de fazer uma selecção muito precisa daquilo que vale a pena ser dito, prescindindo daquilo que, apesar de ser interessante, pode começar a maçar. Nem sempre fico satisfeita com o resultado. Principalmente, no romance do D. Dinis, tive problemas, devido à quantidade de leis, reformas e medidas que o Rei Lavrador decretou e pôs em prática.


- Disse que gostava de ser realizadora, então qual dos seus livros gostaria eventualmente de ver adaptado ao cinema?
Gostava de ver a vida de D. Afonso Henriques adaptada ao cinema, mas acho que interessaria, acima de tudo, aos portugueses. O melhor mesmo era uma série televisiva.


- Se essa oportunidade lhe fosse apresentada em Portugal que colaboradores escolheria então?
Não sei porque, vivendo há 19 anos no estrangeiro, sou muito ignorante quanto aos nomes actuais do cinema português.


- Que conselho daria a quem decida enveredar pela área da escrita?
Alguns:
Se não consegue conceber a sua vida sem escrever, não desista! É preciso insistir muito para se conseguir publicar, não se deixando abater pelas recusas.
Seja disciplinado e exigente, enquanto não estiver satisfeito com o texto, corrija-o, nem que sejam mil vezes! Se não gosta de alguma passagem, ou de alguma cena, mas pensa: “não faz mal, vai mesmo assim, no conjunto, não se nota”, está a seguir o caminho errado!
Se não lhe ocorre outra solução para a passagem, ou a cena, problemática, apague-a! Não tenha problemas em apagar, mesmo que doa. Li, uma vez, que o melhor amigo do escritor é o cesto dos papéis.
Não espere enriquecer com a escrita! Um número ínfimo de escritores consegue viver da escrita, os que enriquecem são ainda menos.

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